domingo, 16 de agosto de 2009

“Ser ou não ser: eis a questão” é, sem dúvida, uma das mais famosas frases de William Shakespeare. Com o evangelho de hoje em mente, talvez pudéssemos parafraseá-lo assim: “Ficar com Jesus ou não: eis a questão”.

Uma outra variante popular dessa filosofia shakespeariana acontece quando alguém nos oferece uma oportunidade única de bom negócio, bom emprego, promoção ou prêmio, e assevera: “É pegar ou largar!”

Creio ser mais ou menos isso que Jesus pretende dizer ao confrontar seus discípulos com as perguntas: “Isto vos escandaliza?”, “Será que vocês também querem ir embora?”

I – Jesus é o único pão que dá vida eterna.

Muitos dos que seguiram Jesus por causa do pão que havia multiplicado para cinco mil pessoas, escandalizaram-se nele porque se apresentou como o pão que desce do céu e que dá vida eterna (Jo 6:35). Esse filho do carpinteiro José parecia-lhes demasiado pretensioso. Por isso, levantou-se entre eles o murmúrio: “Como pode ele dizer que desceu do céu?” (Jo 6.42).

Escandalizaram-se também quando Jesus disse: “Só poderão vir a mim aqueles que forem trazidos pelo Pai, que me enviou” (Jo 6:44).

Mas, osso duro de roer foi realmente a afirmação de Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne... Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos...” (Jo 6:51-58).

Evidentemente, ao falar da necessidade de “comer a sua carne” e “beber o seu sangue”, Jesus não tinha em mente nenhum canibalismo, nem mesmo estava se referindo especificamente à Santa Ceia. Pelo comer e beber nós nos alimentamos o nosso corpo – recebemos e incorporamos todos os nutrientes necessários à vida. “Comer” e “beber” são, pois, termos utilizados aqui para falar de nossa nutrição espiritual, para a fé em Cristo, pela qual recebemos e apreendemos todos os seus nutrientes da salvação: perdão dos pecados, vida espiritual e vida eterna.

Mas, como engolir uma afirmação tão radical e exclusivista? De repente não vale mais nada ter sangue de Abraão nas veias? De repente não vale mais nada dar o dízimo até do endro e do cominho? (Mt 23:23). Como pode esse sujeito nos classificar como zeros à esquerda? Como pode nos considerar tão desprovidos de autodeterminação e de virtudes? Que afronta! Que radical! Um escândalo!

E, de uma hora para outra, a congregação de Jesus vazou pela porta dos fundos. Dos mais de cinco mil congregados, restaram pouco mais do que uma dúzia (e, um deles, podre!).

Bem feito para esse pregador atrevido, pretensioso e radical! Há um monte de congregações mais tolerantes e acolhedoras por aí afora.

E como reagem os nossos ouvidos ao discurso de Jesus?

Ilustração: Após uma palestra ecumênica sobre o cristianismo no mundo, restavam no quadro negro as enormes cifras globais: dois bilhões de cristãos e mais de quatro bilhões de não cristãos. Um pastor de uma outra igreja cristã colocou uma mão sobre o meu ombro e com a outra apontou para a cifra dos quatro bilhões de não cristãos, dizendo: “Não acredito que Deus fará perecer no inferno toda essa gente”. Respondi-lhe: “Bem, isso pode ser um segredo da misericórdia divina, mas o que nós temos de concreto é uma ordem e uma promessa: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Mc 16:15-16).

Honestamente, consideramos razoável que Deus mande para o inferno um menino indiano só porque ele não creu em Jesus? Como Deus pode condenar um sacerdote, que passou a vida se sacrificando pelo povo pobre e sofredor, só porque ele achou que iria para o céu por causa de suas boas obras?

Como Deus pode salvar um bandido assassino, só porque passou a crer em Jesus no penúltimo minuto de sua vida, e condenar uma pessoa honesta – trabalhadora, bom pai ou boa mãe, que nunca fez mal a ninguém – só porque não era cristã? Como podem ir para o mesmo céu pessoas que foram membros ativos, sempre presentes durante toda a vida, e outros que ingressaram na congregação no ocaso da vida?

Não consideramos nós também “duro esse discurso”? Não ofende também a nossa razão e o nosso orgulho? Verdadeiramente, isso não encaixa em nossos cérebros. Ataca o nosso senso de justiça. Faz com que nos sintamos completamente arrasados. Por isso Paulo constata: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura, e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14).

Contudo, Pedro concluiu: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna.” E esta não foi apenas uma frase bajulatória inconseqüente. Mais tarde, vemos Pedro reafirmando sua fé diante do Sinédrio: “E não há salvação em outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” e “Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4:12, 20).

Não, Pedro e seus companheiros não tinham uma lista de opões. Eles não poderiam ir aos rabinos buscar palavras de vida eterna. Eles não poderiam ir a Moisés. Eles não poderiam ir às montanhas. Eles não poderiam ir a Maomé. Eles não poderiam ir a Buda. Eles não poderiam ir a Alan Kardec. Tudo o que eles teriam conseguido lá seriam leis e regulamentos sobre como tentar agradar a Deus ou alcançar algum suposto progresso pessoal. Eles continuariam com seus sentimentos de culpa e desesperados. Só Jesus lhes ofereceu perdão, paz, liberdade e salvação eterna - por meio da fé nEle. Só Jesus lhes ofereceu de graça a passagem para o céu. Só Jesus revelou o amor e a graça de Deus como nunca tinham visto antes.

Mas os escândalos não param por aí. Seguidores de Jesus sempre tiveram que enfrentar perseguição porque a Bíblia contém doutrinas que não são de gosto popular. No mundo de hoje novamente estão em alta teses religiosas relativistas. Nossa igreja pratica a comunhão fechada e somos acusados de exclusivistas. Dizem que adoramos todos o mesmo Deus e que devíamos ser mais ecumênicos, pois existem muitas maneiras diferentes de alcançar o céu. Nós cremos na criação do mundo em seis dias e somos acusados de ignorantes. Não aceitamos o matrimônio entre homossexuais e somos acusados de discriminação. Somos arrolados como fundamentalistas porque levamos ao pé da letra as palavras de nosso Salvador quando ele diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14:6). E esta é apenas uma outra forma de dizer o que Jesus afirma no discurso do pão da vida..

Assim, a fé é um salto além da razão. É uma aposta de uma só possibilidade. É pegar ou largar!

II – Jesus é pão suficiente para dar vida eterna.

Depois daquela retirada em massa, Jesus voltou-se para a sua pequena congregação dos doze, que permaneceram junto dele. Tudo indica que também eles estavam de certa forma ofendidos e não tinham entendido muitas coisas que Jesus dissera. Mas eles ainda estavam ali, porque ainda acreditavam nele. Jesus não lhes agradece nem os elogia por terem permanecido. Pelo contrário, ele lhes pergunta secamente: “Será que vocês também querem ir embora?” (Jo 6:66).

Parece uma pergunta mais irracional ainda. Afinal, Jesus não tinha dito que ninguém poderia vir a ele se o Pai não o trouxesse (Jo 6:44)? Por que agora lhes pergunta se eles QUEREM ir embora? A resposta parece evidente: Eles não tinham poder para vir a Jesus, mas tinham poder para deixá-lo. Jesus os está convidando à reflexão. Ele não faz essa pergunta porque quer que eles vão embora, mas para lhes dar uma oportunidade para mais um passo de fé, lembrando-se da graça de terem sido escolhidos por Jesus.

Como Pedro respondeu? “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” (Jo 6:68-69). Graças ao Espírito Santo, os discípulos puderam tomar uma decisão contrária à da maioria que se satisfizera com o pão terreno: “Não, nós queremos ficar... tu tens as palavras da vida eterna!”

Você também já pensou em ir embora? Você também não tem que ficar aqui. Mas sempre é bom perguntar por que está aqui. Não para encontrar um motivo para ir embora, mas para lembrar que convém ficar. Para lembrar que você não veio por conta própria, mas que foi misericordiosamente trazido. Você foi batizado. Você tem o perdão de todos os seus pecados. Você foi unido a Jesus para a vida eterna. Você vive nele e dele se alimenta pela Palavra e pela Santa Ceia. Assim você come do pão que desce DO céu, até que comerá pão NO céu. E não precisa de nenhum outro complemento vitamínico. Seu Salvador lhe dá absolutamente todo o necessário para que você viva eternamente.

Você quer deixar tudo isso? É pegar ou largar!

Ficar é apostar todas as fichas em Jesus. Ficar é estar inteiramente comprometido com ele. Mas não é um comprometimento que nos é imposto. Pelo contrário, é um comprometimento que assumimos voluntariamente, movidos pela energia do pão que desce do céu, para usufruir todos os seus benefícios. Com o apóstolo Paulo entendemos que “o amor de Cristo nos constrange” (2 Co 5:14).

Para ilustrar a diferença entre um mero envolvimento com Jesus e um comprometimento com ele, conta-se esta pequena história:

Certo dia um fazendeiro anunciou aos seus peões: “Amanhã cedo teremos bacon com ovos no café!” Tendo escutado isso, uma galinha e um porco entreolharam-se perplexos. “Mas isso me envolve!” – disse a galinha. O porco, depois de um grunhido com suspiro, concluiu: “É, você está envolvida, e eu comprometido! Você dará contribuição; eu serei oferta!”

Ser cristão requer grande compromisso e sacrifício pessoal. Muitas vezes precisamos especialmente sacrificar a nossa má vontade, a nossa inclinação carnal e a nossa razão egoísta e materialista. Não obstante, se é para ficar com Cristo, vale a pena. Deus nos promete: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2:10).

Ninguém comprometeu-se tanto com a nossa salvação quanto Jesus. Ninguém foi mais oferta do que ele. Depois de fazer esta pergunta aos discípulos, ele mesmo seguiu seu verdadeiro ministério, não de dar pão a milhares de pessoas, mas de oferecer o seu corpo na cruz pelos pecados da humanidade. Agora podemos dizer com Paulo: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1:21).

Você quer ir embora? Não! Você crê e canta, como os pais cantam, há séculos, com Christian Keimann: “Meu Jesus não deixarei, / pois só ele é minha vida. / Falta alguma sentirei, / animado irei à lida, / mesmo tendo de sofrer / toda a dor e até morrer.”

Jesus é o pão que dá vida eterna. Único e bastante. É pegar ou largar!

Deus Espírito Santo te dê forças para agarrá-lo com ambas as mãos! Amém.

Renato Leonardo Regauer - Sapiranga,(RS)